Nova era Trump: foco no enfraquecimento da relação Brasil-China
Além da esperada alta do dólar, a política americana no segundo mandato do republicano deve ser protecionista pelo temor de crescimento do país asiático. Por: Olga de Mello
Ao longo de uma campanha agitada, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, reforçou a plataforma defendida oito anos atrás: privilegiar os cidadãos americanos, controlando a entrada de imigrantes e valorizando o nacionalismo com uma política protecionista, que pretende conter o avanço tecnológico internacional da China. Para o Brasil, o principal reflexo da nova administração Trump estará na tentativa norte-americana de reduzir a influência e o fortalecimento das relações comerciais chinesas, principal parceiro comercial do País.
A primeira consequência da eleição dele pode ser a alta do dólar. “Trump é um ator imprevisível, que tende a gerar insegurança no mercado e levar o dólar a subir”, acredita Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O enfraquecimento da moeda brasileira, no entanto, é menos relevante do que a provável interferência norte-americana nos negócios com a China, país que ameaça o poderio dos Estados Unidos na economia mundial. Para o historiador Williams Gonçalves, professor de Relações Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a política econômica dos Estados Unidos hoje é protecionista em virtude da crise e do temor do crescimento da China.
“A prática protecionista norte-americana deve se acentuar com Trump, um republicano diferente, cuja visão é mercantilista, de comerciante que não quer perder nenhum negócio. Ele está preocupado em ter o domínio da alta tecnologia, em insistir com o Brasil para evitar permitir que empresas chinesas se instalem por aqui. Em 2021, ele fez lobby contra a Huawei, que não participou do leilão da instalação do 5G”, lembra Gonçalves.
A posição ideológica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não incomodaria Donald Trump, na opinião de Leonardo Paz. No entanto, o Brasil estaria entre os países que poderiam sofrer sanções norte-americanas por não se alinhar comercialmente com os Estados Unidos — e manter importantes parcerias comerciais com a China. A plataforma econômica de Trump defende tanto o corte dos impostos corporativos nos Estados Unidos, quanto o aumento de tarifas sobre as importações.
“A situação pode ficar um pouco mais complexa para a indústria e o comércio brasileiros, mas não é especificamente contra o Brasil, que é mais um país contra o qual Trump quer buscar proteção. No mandato anterior, quando combatia a entrada de produtos chineses em seu país, ele elevou as tarifas do aço que o Brasil exporta para os Estados Unidos. Foi no governo Bolsonaro, mas o Brasil sofreu do mesmo jeito”, diz Paz.
Para o pesquisador da FVG, não deverá haver pressão contra imigrantes brasileiros ou desentendimentos com o Governo Lula. “A imigração a ser contida, um dos argumentos da campanha de Trump, é a de quem sai do México ou de países da América Central. O Brasil tem uma posição diferente nesse cenário, e o número de imigrantes brasileiros para os Estados Unidos é bem menor do que o de pessoas que têm o espanhol como língua nativa”, avalia.
O interesse do governo norte-americano no Brasil é o de reforçar laços com o empresariado e o agronegócio brasileiros, que nutrem simpatia pelos Estados Unidos. O diálogo constante deles com universidades brasileiras e os comandos militares do País visa ao enfraquecimento das relações Brasil-China, aponta Paz.
“Nas Américas, só há lugar para uma grande potência, por isso os Estados Unidos sempre conspiraram contra qualquer forma de integração regional na América Latina. O Brasil torna-se um pesadelo para os norte-americanos por estar afinado com Rússia e China no BRICs. É o que vai erodir a liderança dos Estados Unidos no mundo, embora a China não tenha qualquer interesse em parcerias militares ou políticas com o Brasil. Mas a China é o coração do BRICs, a grande potência econômica do grupo e defende uma nova ordem institucional”, diz Gonçalves.
A eleição de Donald Trump não deverá fortalecer a extrema direita no Brasil, acreditam os estudiosos. O País hoje tem uma posição mais moderada em relação a antigos aliados políticos, como o venezuelano Nicolau Maduro, e acompanha uma tendência mundial ao condenar a postura israelense em Gaza, acredita Leonardo Paz.
“Lula consolidou uma imagem muito mais positiva lá fora do que aqui no Brasil. A Casa Branca não reconheceu a legitimidade da eleição de Maduro e ameaça cancelar o auxílio militar a Israel. Trump pode ser mais permissivo em relação a Israel, mas os republicanos não têm tradição de intervir em conflitos externos. Trump não entrou em qualquer guerra no seu primeiro mandato e deve manter a cordialidade com o Brasil”, analisa.
Para Williams Gonçalves, Donald Trump é um nacionalista sem a menor pretensão de tornar-se uma referência política, mas que estaria alinhado ao pensamento colonialista brasileiro, hoje representado pelo agronegócio.
“A predominância política do agronegócio, base territorial para a exportação, nos fez voltar para uma posição colonial, dependente da demanda externa, não do mercado interno. Trump jamais quis criar uma escola trumpista, tem admiradores e imitadores, mas não incentivou ninguém a copiá-lo fora dos Estados Unidos. Isso é uma distorção da extrema direita brasileira. Em seus encontros com Bolsonaro, Trump mantinha uma expressão curiosa e divertida, diante do olhar embevecido do brasileiro. Esse tipo de situação não deve se repetir com Lula”, conclui.